quarta-feira, 10 de março de 2010

O destruidor de Playground.

                                                            [Da série : Contos Curtos]

  Ele nem era alto, nem baixo: era do tamanho exato! Conseguia pensar nele com a mesma intensidade que minha barriga anunciava precisar comer a cada vez em que a ansiedade por vê-lo me assolava a cabeça. Por mais articulada que tenha sido em toda época de colégio e faculdade, não sabia porquê só de pensar no dito cujo, as palavras fugiam e eu rezava pra que ele se apaixonasse por mim mesmo assim.Mesmo tola, ansiosa.
  Passava o dia criando situações. Pensava que a qualquer momento, alguma daquelas cenas de Sex and the City se repeteria aqui mesmo, do meu lado, e ele seria o meu Mr Big. Filmes, séries ou contos lidos: tudo era motivo para devaneio com aquele cuja boca me adocicava o coração.
  Sempre que possível, eu deixava minha marquinha pretensiosa. Recados, beijinhos e marcas de batom no espelho do coração dele. Tudo era meticulosamente estudado, da maneira de agir ao perfume exato para as narinas dele. Costumávamos ouvir as mesmas músicas , e eu sempre tentei inseri-lo em meus gostos e hábitos, já que o homem mais bonito do mundo, parecia se interessar por eles. Tinha por ele uma espécie de encantamento e não me pergunte como isso se deu.Em algum tempo, estávamos tão próximos que meu coração conseguia se exaltar só de ouvi-lo respirar, e aqui não vai nenhum trocadilho sexual. De fato, ele me assanhava o cerne. Perdia muito do meu dia, só pensando no homem que me fizera trocar a fechadura do miocárdio.
   Limpava os dentes, retirava os pedaços de comida do almoço sempre em que ele se anunciava. Trocava a posição da franja, esquecia de dosar o perfume e ousava na calcinha. Essa era sempre pequena, do jeito que ele gostava. Sua mãe gostava de plantas e ao saber disso, indiquei-o alguns instrumentos para que ele presenteasse a tão pretendida sogra no dia das mães. Tudo caminhava perfeitamente bem, até que eu descobri, que ele nem era tão bonito assim.
   Por mais que seu semblante me encantasse, ele era ausente. A noite costumava chegar e ele prontamente me esperava no portão. Nem sempre trazia uma flor, mas quando dava, me deixava inebriada de tanta paixão. De repente, ele tinha compromissos inadiáveis, e sem perdão, esqueceu meu aniversário, dia 05 de janeiro. Usou a desculpa de estar muito atarefado, mas que eu era perene em seus pensamentos! Droga! É assim que a ilusão começa e eu parecia estar começando a entrar no território de Hades sem perdão. O desgraçado dono do inferno ainda ria de mim, tripudiava enquanto eu amargava lá dentro. Mas não tem nada  não! O mundo é redondo justamente para poder mudar de direção ao toque da vontade.
    Comecei a rever o título de 'cara dos sonhos'. Ora, ele realmente fora eleito mas em contrapartida, sempre fora todo o almejado. Caso contrário, certamente abriria espaço pra outrém, porém, ele, se dizia interessado até mesmo nisso: suprimir qualquer tolo arlequim. Comecei a me entristecer em casa investida por noticias. Ele aparecia quando dava, e de vez enquando, me deixava ao acaso.Decidi então, bani-lo do meu playground.
   Comecei a não atender suas ligações. Mensagens com ''te quero'' e ''te amo'' foram potencialmente ignoradas. Me machucava cada ignorada daquela, mas, certamente era necessário. O que antes era belo e intenso, passou a ser, frágil e triste. O coração dele deixou de estar lá, e eu passei a chorar desesperadamente, posto que a cada tentativa de me desapaixonar, meu peito parecia explodir concomitantemente. No direito, há leis que são revogáveis, mas no mundo do amor, esse preceito era completamente pétreo. Ele não somente deixou de ser importante como, aos poucos, foi perdendo a cadeira cativa a qual foi destinada aos minutos iniciais da partida.
   De repente, a suspeita se torna realidade:
-Oi?
-Oi!
-Não me atende mais. Tive que vir aqui te ver!
-Sim,percebi
-Não me quer mais?
-Não!
-Nossa, por que?
-Porque você não quis, primeiro!
-Sua boba, você sabe que sempre te quis
-Não com a mesma intensidade!
-Ando atarefado, só isso!
-todo mundo tem tempo... para o que prioriza. 
-Eu te priorizo!
   E foi ai que eu desencantei dele. As mentiras, quando bem contadas, soam melhores aos ouvidos. Quando não, são agressões ao meu intelecto. Antes tivesse dito estar sem interesse, mas, que ainda me queria, embora um pouco distante.
   Na verdade, ele era um mentiroso, tal qual os outros.


 ''Usar o coração de alguém é como destruir o playground da praça: acaba toda a brincadeira''

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